Línguas de Fogo, Ensaio sobre Clarice Lispector, críticas.

Inspirada pelo Brasil e pela Clarice Lispector

A minha trajetória do Quebec ao Brasil aconteceu graças a Clarice Lispector (1920-2020), escritora imensa, romancista e contista brasileira de origem judaica, cujos textos tem sido traduzidos em umas quinze línguas.

À Clarice L., paguei o meu tributo pela fulgurância que a sua escrita provocou em mim : publiquei dois livros sobre essa descoberta maior da literatura mundial do seculo vinte, Rencontres brésiliennes (1987), composto de entrevistas e documentos diversos, fotografias e manuscritos e Langues de feu (1990), ensaio, traduzido no Brasil (Línguas de Fogo, 2001).

Homenagei o Brasil por ter sido uma fonte inesgotável de inspiração, com dois romances, Profession : indien  (1996) e Clair-obscur à Rio (1998).

Algumas fotos dos lançamentos no Rio, em São Paulo e Curitiba em 2002

Entrevistas em português

Encontro entre Claire Varin e Simone Paulino, 15.12.2020

Sobre a atualidade de Clarice Lispector en 2020

 

Línguas de Fogo

Ed. Limiar, São Paulo, 2002, 190 p. (Esgotado)

(Palavra do editor) Um estudo profundo e apaixonado sobre a vida e obra de Clarice Lispector. Como muitos brasileiros, Claire se apaixonou pela obra da escritora brasileira; aprendeu português para poder ler os textos de Clarice na língua original e esteve no Brasil diversas vezes apreendendo esse estranho país dos trópicos.

O livro, resultado de uma tese nada academicista de doutorado para a Universidade de Montreal, analisa a obra de Clarice Lispector em sintonia com sua vida, sua formação em uma família judia e como esposa de embaixador.

Um livro indispensável para quem já conhece a obra de Clarice ou para aqueles que desejam se aventurar pelo mundo particular da maior escritora brasileira. Um livro para os apaixonados pela boa literatura.
Fonte : Editora Limiar.

Trecho

Em 9 de janeiro de 1983, eu desembarcava no Rio de Janeiro, sustentada pelo amor a seus textos, descobertos graças à tradução bendita por mim, apesar de seus avatares. Parti ao seu encontro a despeito de sua morte física ocorrida em 9 de dezembro de 1977. Ao ler A Paixão Segundo GH, em 1979, eu a havia encontrado. Essa paixão: uma perigosa chama que iria, eu saberia mais tarde, me fortificar.

Fiz a qualquer hora do dia tradução simultânea a fim de sobreviver em terra desconhecida. Correndo o perigo da esquizofrenia à beira dos mundos, entre a América do Sul e a América do Norte, sobrevivi. Oscilando entre a perda, provocada por ter deixado de lado um eu inicial, e a aquisição de uma nova individualidade, esse ser nascendo em uma outra língua, embalado por um ritmo diferente. Recém-nascido em crescimento no calor do verão do Rio, 40 graus na sombra. Eu estava na origem e lia na luz a obra de Clarice Lispector (sete romances, mais de setenta contos e textos curtos, dois livros de prosa, quatro histórias para crianças).

Alguns comentários

A identificação entre Clarice e Claire se fez íntima, perfeita. O sútil registro da sensibilidade de Clarice, nervo exposto ao mundo, não escapa à sensitiva antena de Claire. […] Como Clarice, Claire tem o dom das línguas. […]

Iluminada, Claire confraternizou-se com Clarice e tocou o cerne de sua originalidade. […] Uma e outra, nas suas línguas de fogo, pregam a busca da verdade. […] Se tudo é mágico, é preciso ver por fora e por dentro. Ver o de fora no permanente transe de quem não renuncia ao que não é aparente, ao invisível. Os textos de Clarice estão carregados dessa energia que é o sinal de sua peculiaridade. A força de sua originalidade, que Claire captou e, como Clarice, dela faz uma doação.

Otto Lara Resende, prefácio de Línguas de Fogo

A autora, canadense, é, apesar da distância, uma das mais sensíveis leitoras de Clarice Lispector. Ela faz o que chama de « leitura telepática », misturando-se com Clarice. E desse modo escreveu um livro imperdível

José Castello, escritor e crítico literário, Veja, 25/06/ 2003

Escritora canadense revela os mistérios da obra de Clarice Lispector.

Ubiratan Brasil, O Estado de São Paulo, 09/03/ 2002

Claire Varin é, como Clarice Lispector, uma mulher de sensibilidade especial. Seus dois livros, construídos na forma de mosaicos e decorados por magnífico acervo fotográfico, têm de fato uma luminosidade extrema, atributo não muito comum nos ensaios oriundos do meio acadêmico.

José Castello, O Estado de São Paulo, 08/03/ 1996

Dir-se-ia que Claire Varin conviveu com Clarice e dela ouviu confidências e revelações, pois a segurança com que se move nos labirintos tem alguma coisa de íntimo. Embora encaminhe a conclusões que poderão provocar réplica e polêmica, a tese de Claire Varin é desde já ponto-de-referência obrigatório em todo estudo sério sobre nossa romancista. E muitos desses trabalhos futuros deverão partir de suas páginas.

José Geraldo Nogueira Moutinho, escritor

Jornal de Letras, Rio de Janeiro, 01/04/1987.

Um olhar imperdível para Clarie é ler a tese que virou livro chamado Línguas de Fogo, no qual Claire Varin estabelece um delicado laço de intimidade com Clarice e sua obra, em uma comunicação de almas surpeendente e sensível.

Flor de Bela Alma, 12/02/2019

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Folha de SP Lembrando Otto

Artigo de C. Varin publicado na Folha de São Paulo, domingo 18 de dezembro de 2011

Lembrando Otto Lara Resende

Arquivo aberto

MEMÓRIAS QUE VIRAM HISTÓRIAS

Rio de Janeiro, 1983

Deixando para trás o inverno canadense, eu desembarcava no Rio num dia de janeiro de 1983, para pesquisas doutorais sobre a obra de Clarice Lispector. Pouco depois de minha chegada, fiz amizade com Otto Lara Resende, contatado por sugestão de Paulo Gurgel Valente, o filho da escritora.
« Uma flor de pessoa », como dizia dele mesmo, brincando, o querido Otto, que me pareceu de imediato dotado de tanta humanidade, de uma cultura extensa e, sobretudo, de uma fala inesgotável que, junto com o calor dos trópicos, deixava tonta a quebequense mas sem nunca a entediar…

Na saída passei minha máquina fotográfica ao simpático escritor Cyro dos Anjos, acadêmico eleito na sucessão de Manuel Bandeira, para ele tirar uma fotografia minha ao lado do meu « pai » brasileiro.

Ele sonhava visitar meu país, mas contava um fato real ou exagerado (nunca tive certeza se era uma piada): que, em sua juventude, na embaixada do Canadá (ou teria sido o consulado?), ele tinha vomitado diante dos convidados, em plena recepção, e que em consequência disso o governo canadense jamais lhe daria um visto…

Um dia ele me chamou a ir à Academia Brasileira de Letras. Em pé na tribuna, ao lado de Otto, fiquei espantada que, em um país tão rico de romancistas e contistas, a Academia não acolhesse uma parte da metade da humanidade.

A então única imortal do sexo feminino, Rachel de Queiroz, não estava presente naquela tarde. Os uniformizados sorriram diante de minha juventude e me convidaram para o chá ritual na sala dos lustres. Devorei os tira-gostos de palmito, me entupi de doces e beberiquei o melhor vinho do Porto com os medalhões que interrompiam a fala uns dos outros para me lançar tiradas ou me recitar versos de simbolistas franceses.

Ouvi religiosamente o presidente Austregésilo de Athayde me relatar seu encontro com Albert Einstein, e depois outro patriarca, com sobrancelhas grossas como dois bigodes sobre os olhos, me despejar a história política do Brasil. Passou pela minha cabeça que nenhum dos políticos modernos encarnava o modelo ideal, tal como foi sintetizado pelo poeta chileno Pablo Neruda, entrevistado por Clarice Lispector: o ser humano mais completo possível seria « político, poético. Físico ».

Em outro momento, Otto me levou à funerária do cemitério São João Batista com o objetivo declarado de me fazer conhecer Carlos Drummond de Andrade. Uma ocasião de ouro, já que a misantropia do poeta aumentava com a idade, me explicou Otto. O amigo de colégio de Drummond estava de boca aberta em seu féretro acolchoado. O defunto octogenário, dotado de uma dentição equina, exibia um sorriso amarelo, possivelmente sentindo-se privado da consideração devida à morte.

De fato, a imensidão de sua solidão estourava sob seu peito coberto de flores : os muitos visitantes falavam alto para reverter o silêncio do mistério do nascer, viver e morrer. « Ninguém olha para o defunto e todo o mundo lhe dá as costas », cochichei no ouvido de Otto. « Ele não podia imaginar que algum dia uma canadense desconhecida rezaria por ele ao pé de seu caixão. Vem que vou te apresentar a Drummond. »
Também ele de costas para seu companheiro morto, o poeta só falou comigo sobre seus problemas de saúde, fixando um ponto à sua frente, com os olhos sempre abaixados e deformados por lentes grossas incrustadas em uma moldura severa. Sua surdez parcial e a hipertrofia de sua próstata, como pedra no meio do caminho

Nessa época eu aspirava tornar-me escritora e também cronista, à moda de Drummond, de Otto, de Clarice e de muitos outros prosadores: para oferecer lições em forma de chistes, frases poéticas ou proféticas sugeridas pelas palavras, as coisas e os seres saídos da vida cotidiana. Mas não me tornei cronista e tenho escrito livros. O que não me impede de pensar que a crônica sabe sempre acolher a bem-aventurada subjetividade e as anedotas como as que lembrei agora, com prazer e muita saudade do Brasil.

TRADUÇÃO CLARA ALLAIN

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